As ceifas e outros trabalhos agricolas

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4 Comentários

PraçaEm meados de Maio começava a azáfama da ceifa da aveia que amadurece em primeiro lugar. Como não é possível ceifar tudo, a tempo, apenas com os braços dos trabalhadores rurais da região, aparecem sempre grandes grupos de centenas de algarvios que vêm oferecer-se para este trabalho. Colocam-se, na Praça (D. Manuel I), aos Domingos, e ali permanecem esperando que os lavradores os ajustem. Vêm todos pobremente vestidos, com pesada mochila às costas, a qual consiste em uma ou duas mantas, alguma roupa de uso, e presas de lado, algumas vezes, um par de botas grosseiras e as foices. Na mão, um cesto de cana, com pão, figos secos e algum peixe salgado. Depois do meio-dia, começam a aparecer os lavradores que já trazem, em mente, o número de homens que precisam. É interessante ver, de alto, esta ondulação de oferta e de procura. Alguns homens dos que ali estão, são já conhecidos dos anos anteriores e os proprietários (lavradores) procuram, de preferencia, os que já conhecem como bons trabalhadores, e estes aproximam-se ou afastam-se daqueles que dão melhor ou pior alimentação ao seu pessoal, porque, geralmente, nestes contratos de ceifa, entra a comida que não deixa de ser curiosa e por isso a menciono: o almoço consiste em sopa de pão e toucinho; o jantar a mesma sopa com hortaliça (se a há), feijão, grão, batatas, massa, etc. Um queijo como merende. A ceia, sopa de pão e toucinho. Geralmente, o queijo é poupado pelos trabalhadores que o guardam para, no regresso, o levarem para as suas casas. O caldo da sopa é, por vezes, condimentado com a carne de algum carneiro, ovelha ou cabra, que os trabalhadores muito apreciam. O ajuste na Praça é movimentado. Discute-se o preço, põem-se condições, e, às vezes, há discussões azedas e sucedem-se insultos e greves. Depois de consertados, ou apalavrados, negam-se por vezes se sabem que outros obtiveram melhor salário ou melhores regalias e assim acontece o lavrador ficar sem ceifeiros, julgando estar servido. Outras vezes, mesmo no trabalho, a pretexto de coisas fúteis, abandonam os trabalhos. Devo dizer que, geralmente, estes incidentes quando se dão, são sempre provocados por trabalhadores do Sul do país, grosseiros e de péssima linguagem, pois que os do Norte que aqui aparecem para outro género de trabalhos, são ordeiros e pacíficos.

Os Beirões (trabalhadores das beiras), costumam vir em ranchos de homens e mulheres para se ocuparem da limpeza das terras e dos trabalhos preparativos das sementeiras. Ajuntam-se por 5 ou 6 meses, trazendo um que lhes servia de manageiro ou condutor a quem obedeciam. Estes cuidavam da sua alimentação, que preparavam com os géneros fornecidos pelo patrão: farinha de milho, ou trigo, ou centeio, ou misturados, que um deles amassava e cozia no forno do monte, azeite, legumes, toucinho, hortaliças, etc.

Pelo Natal, Carnaval e Páscoa, mandavam quase sempre lembranças à familia, que consistiam em pães grandes, de trigo, cozido de fresco, e algumas linguiças e queijos se os podiam obter. No fim da temporada, em fins de Maio, regressavam aos lares, depois de receberem a conta ajustada dos respectivos patrões. Nem todos voltavam, pois alguns por aqui se aclimatavam, criando família. Os Beirões eram aqui designados com o epiteto de alcobios ou galegos. Quando permaneciam nas herdades, em grupos de mais de 12 ou 15, animavam e alegravam muito os montes, pois que nos dias santificados (Natal, Ano Novo, Reis, Carnaval e Páscoa) organizavam folguedos alegres, com as suas danças, cantares, jogos característicos, etc, inteiramente distintos dos do folclore alentejano. Foram eles que, em grande parte, ajudaram a desbravar a charneca alentejana, que passou à história. Também o arvoredo é períodicamente limpo  e desbastado, servindo a lenha para consumo dos habitantes, e o excedente para carvão, que é, geralmente, expedido pela linha férrea.

 

_Apontamentos históricos do Padre Jorge de Oliveira (1865/1957), pároco de Alvalade entre 1908 e 1936, para uma monografia que não chegou a publicar. 

4 Respostas a As ceifas e outros trabalhos agricolas

  1. Manuel F. Neves (Lito)   6 de Fevereiro de 2014 at 16:41

    Artigo curioso e revelador das carências nacionais do século passado.
    As recordações que guardo destes ranchos de gente que rumava à nossa terra em busca de trabalho, são o amontoado de trabalhadores que se sentavam noa “Largo do Vasco” e ao longo do passeio da rua da padaria do Sr Inácio e ai eram contratados por feitores ou encarregados de trabalhos dos fazendeiros.
    Ali passavam dias e dias até serem contratados.
    Embora nunca tenha ido a nenhuma dessas festas de fim de semana, até porque era muito jovem, lembro-me que havia pessoas da vila que ali iam, ao que constava, bailaricos.
    Artigo engraçado que se lê com gosto.
    Abraço;
    Lito

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  2. Matilde Oliveira   7 de Fevereiro de 2014 at 16:32

    Belo artigo para perceber as dificuldades que os nossos avós passaram. Adorei.

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  3. José Raposo Nobre   7 de Fevereiro de 2014 at 16:39

    Outro excelente texto, obrigado Luis por nos oferecer as memórias do Padre Jorge.
    Recordo um facto a que assisti num domingo de Junho quando centenas de Algarvios vinham para as Ceifas esperando ser contratados pelos agricultores. O Largo dos Cafés (Rua 23 de Agosto) e as Ruas Duque da Terceira e 31 de Maio estavam cheias de gente. Um natural de Alvalade, nosso vizinho,bebeu demais e criou um incidente, a GNR tentou levá-lo para o Posto, o homem resistia e todos o presentes o apoiavam contra a GNR, meu pai era o Comandante do Posto, previam-se incidentes graves, já navalhas estavam prontas para a luta, minha mãe na janela de nossa casa,junto do Posto, saiu de casa passou entre o gentio que se aglomerava,foi junto do provocador, este quando a viu baixou os braços e deixou-se conduzir por minha mãe para o Posto, perante o espanto de centenas de pessoas.
    Assim se evitaram graves confrontos. Eu teria 10 ou 11 anos.Por razões óbvias não digo nomes, os mais antigos sabem quem foi, mas duvido que leiam este comentário.
    Só informo que a pessoa em causa no outro dia, envergonhado com a atitude que tomou embriagado, prometeu e cumpriu que nunca mais bebia vinho.
    JRN

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    • admin   8 de Fevereiro de 2014 at 12:42

      É um episódio interessante que nos mostra como eram difíceis esses tempos, de uma Alvalade de outra época.
      Obrigado pela participação.
      _LPR

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