Alvalade genuinamente alentejana…

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Quando por vezes, em velhos documentos, encontrávamos esta região transtagana designada pela clássica forma “terras dentre o Tejo e o Odiana”, e víamos em antigos forais, Alvalade e as suas catorze companheiras enquadradas no “Campo de Ourique”, perguntávamos porque motivo a deslocaram para a Estremadura, fugindo à lógica das coisas.
Pois o pelico, os safões, a típica manta, o conhecido capote de dois cabeções, o cajado de volta, a cacheira, o cocharro de cortiça por onde se bebe a água da quarta e aquelas cadeiras pintadas de almagre com rosetas brancas e assento de bunho, serão estremenhos? E o carro toldado em telha, e a carrada semelhante às pirâmides do Egipto e cujo recheio não é de faraós mas de louro e pesado trigo, certamente, nada têm de estremenhos.
E será estremenho aquele cantar harmonioso e concertado, de vozes femininas, que, no regresso das mondas, em Fevereiro e Março, já ao lusco fusco, nos encanta, e aqueles corais volumosos, de vozes masculinas, que nas noites luarentas nos despertam com os seus estranhos acordes? E aquele “tem avondo” e “está mal acilhado”, quando o parceiro já tem o açúcar bastante ou a coisa não está bem composta e equilibrada, ou o “enricar” que todos nós desejaríamos conjugar, com verdade, na primeira pessoa de certos tempos? E estremenho não é aquele clima extremo que tão depressa, em Janeiro e Fevereiro, nos mete na cama, com toda a “copa” em cima, com o nariz e as orelhas fuzilados com 3 negativos, como, em Agosto, nos asfixia com 45º à sombra, pondo no cabide o casaco e o colete, não indo também a camisa com medo do ferrão albardeiro das moscas. Também não são estremenhos aqueles mastros que as raparigas coroam de bandeiras e arcos fraldados e vestem de bunho e freixo que os rapazes vão buscar à ribeira e à roda dos quais, nas noites de Santo António, São João, São Pedro e Santa Isabel, marcham, em passo cadenciado, ao som de tonilhos dolentes, ou rodopiam em danças revoltas e sarcoteadas acompanhadas pelo acordéon ou harmónio. E certa culinária que tresanda a alho e coentros e um simpático queijo pequeno, de cabra, feito de calcário branco, que se parte a cutelo, e salgado como salgema? E serão estremenhas aquelas bruxarias de rezas e benzeduras, do “amanho”, da “espinhela caída”, do “tampinho do peito”, da “lua brava” e da “água dormente”?

_Padre Jorge de Oliveira, 28 de Maio de 1935 in “Álbum Alentejano”

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