Adossada na parede lateral esquerda da nave da igreja da Misericórdia de Alvalade, observamos uma lápide com uma inscrição em Português antigo abreviado que, segundo Jorge de Oliveira, antigo pároco de Alvalade, poderá ter sido mandada lavrar pela Mesa da Santa Casa em homenagem a Fructuoso Pires, sepultado algures dentro do templo. Numa leitura actualizada lê-se na lápide: “A sepultura de Fructuoso Pires que toda a sua fazenda deu de esmola com que se ordenou esta casa …”.
O testemunho dado pela inscrição diz-nos que, Fructuoso (possívelmente um alvaladense), deixou a totalidade dos seus bens à Misericórdia. Para a fundação da Santa Casa? Ou para construir a própria igreja da Misericórdia? Quem era Fructuoso Pires? São questões ainda sem resposta, uma vez que o arquivo da Santa Casa alvaladense foi desmembrado e perdido na sequência da sua extinção, em 1861. A inscrição permite apenas saber que Fructuoso Pires acautelou a transmissão dos seus bens, num gesto pleno de significado, a favor da Misericórdia, situação muito comum na época. Parte importante do património das Misericórdias era fruto de deixas testamentárias, normalmente em permuta de um determinado número de missas por alma do testador, perpectuando desta forma a sua existência.
Na frontaria, sobre a verga do portal, observa-se igualmente uma outra lápide, com uma inscrição em latim abreviado (dentro dos parenteses retos ‘ [ ] ‘ estão as letras abreviadas):
B[EA]TI MISERICOR –
DES Q[UONIA]M IPSI MI –
[SERICORDI]AM CO[N]SEQUE[N]TUR
“Beati misericordes quoniam ipsi misericordiam consequentur“
Segundo o Reverendo Carlos Veríssimo de Figueiredo, antigo professor de Latim na Universidade Católica, que fez a leitura da lápide, o texto reproduzido na fachada da Igreja da Misericórdia de Alvalade corresponde, integral e textualmente, ao versículo 7º do capítulo 5º do Evangelho de S. Mateus, uma das bem-aventuranças do notável sermão da montanha que Jesus pregou aos seus discípulos, cuja tradução directa da inscrição é:
“Bem-aventurados os misericordiosos porque eles alcançarão misericórdia“
Todavia, a tradução da edição da Bíblia Sagrada, da responsabilidade da Difusora Bíblica (dos Franciscanos Capuchinhos), de 1993, apresentada como “tradução interconfessional”, é mais redundante:
“Felizes os que tratam os outros com misericórdia, porque Deus os tratará com misericórdia também“
Ou seja, um apelo permanente à prática da misericórdia…
_Luís Pedro Ramos
Muito bem, Luis, outra magnifica investigação sobre o muito de histórico que se pode descobrir numa Vila tâo antiga e que devia ser mais respeitada.
JRN