As inaugurações de 1914: Estação da CP, Telégrafo-postal e iluminação pública

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2 Comentários

sadofuncheiraNos primeiros dias de Agosto de 1914, pela freguesia de Alvalade e por todo o concelho de Santiago do Cacém, foi, profusamente, distribuído um programa que dizia: “Alvalade – Grandiosos Festejos nos dias 22 e 23 de Agosto, por ocasião da inauguração da linha férrea do Vale do Sado, Estação do Telégrafo-postal e iluminação pública, e que constarão do seguinte: Dia 22 de Agosto, música, tourada, inauguração da iluminação pública e quermesse. Dia 23 de Agosto, alvorada, inauguração da Estação do Caminho de Ferro e Estação do Telégrafo-postal, quermesse, concerto musical, iluminações e fogos de artificio”. Quem, nesses dias, entrasse em Alvalade, pelo lado de Campilhas, encontrá-la-ia em festa: as ruas de Lisboa, 31 de Maio e Duque da Terceira, embandeiradas, e sob um túnel de arcos, ornamentados com balões venezianos e com os escudos de diferentes concelhos do Alentejo. O pavimento apresentava-se atapetado de espadana e murta. A Praça D. Manuel I, centro para onde convergem as diferentes artérias da vila, destacava-se com o seu coreto, e, junto ao pelourinho, avultava a barraca do bazar.  No dia 22, tinha-se realizado uma tourada e fizera-se a inauguração da iluminação pública por meio de acetilene, e grande parte da noite gastara-se a admirar o brilho das luzes, os prémios do bazar e os trechos da música, intervalados pelos foguetes luminosos, que faziam escancarar as maxilas aos transeuntes… No dia 23, às 9 horas, ainda muitos dormiam a sono solto, e já a banda dos bombeiros de Beja excitava a indolência dos habitantes, com uma marcha viva e alegre, chamando-os, apressadamente, para fazerem as honras aos hóspedes e forasteiros, que nos vinham visitar, e que não deveriam demorar muitos minutos. Posto tudo em movimento, seguiram para a Estação dos Caminhos de Ferro de Alvalade, cuja inauguração ia fazer-se com a entrada do primeiro comboio, que vinha da Funcheira, com passageiros e deveria chegar a Alvalade às 9.30. Às 9.20, o telefone anunciava a partida de Torre Vã, e os fogueteiros, espalhados pela linha, recebiam ordens para que os foguetes estalassem no momento preciso. Às 9.28, do disco, veio o sinal de alarme: os filarmónicos alinham-se na gare, as autoridades e o povo enchem o recinto da Estação. Às 9.29, rebenta, nas agulhas, uma salva de morteiros, e, às 9.30, vê-se avançar, lenta e majestosa, sob um arco triunfal e uma nuvem espessa de foguetes que atroam os ares, a primeira locomotiva, as primeiras carruagens e os primeiros passageiros. Os lenços de uns e de outros saem, instintivamente, das algibeiras e esvoaçam, no ar, como pombas brancas, e o comboio entra, na estação, sob uma trovoada de palmas e vivas, ao som do hino nacional. Ninguém pode furtar-se à natural comoção deste momento, mas, a breve trecho, o entusiasmo apodera-se de todos, trocam-se abraços e cumprimentos, e, novamente, estalou outra saraivada de palmas e vivas, que levaram, ao rubro, a índole, habitualmente, fria e indiferente desta gente: É que todos anteviam um futuro cheio de esperanças.   Às onze horas já todos se encontravam na vila, para se fazer a inauguração da Estação do Telégrafo-postal. Estávamos em maré de inaugurações. Ao meio-dia, as autoridades do concelho e da freguesia, levando à sua frente o prestigioso deputado Sr. Jorge de Vasconcelos Nunes, a quem se deve tão grande melhoramento, entraram na nova estação, inaugurando-a, fazendo expedir os primeiros telegramas ao Chefe de Estado, ao Ministro do Interior, ao Governador Civil e aos amigos. Entretanto, o bazar reforçava a sua reserva de prendas, e a filarmónica chamava os forasteiros para nova tourada, que ia realizar-se no Largo do Adro. Às 21 horas, a banda dos bombeiros subia ao coreto e encetava o concerto musical, ouvido com geral agrado, e parte do povo espalhava-se pelas ruas, profusamente iluminadas, admirando o efeito, na verdade empolgante. Às 23, no Largo da República, queimava-se um aparatoso fogo de artifício, em 6 quadros, representando, um deles, a chegada do comboio a Alvalade, o que entusiasmou, sobremaneira, os assistentes. Pouco depois, Alvalade adormecia, sob o peso de tão violentas emoções, e só acordou, no dia seguinte quando o despertador do Morse lhe anunciou os primeiros telegramas de felicitações, e o silvo da locomotiva lhe chamou à atenção para as primeiras malas do correio, para os jornais desse dia, e para as primeiras mercadorias, que lhe vieram abastecer o mercado… E Alvalade, que sempre apertada pelo cinto de Campilhas e do Sado, despertou envolvida na torrente transformadora, que a chamava a uma vida nova. Para perpetuar esta data memorável para Alvalade, acordaram a Junta de Freguesia e a Câmara Municipal, em que a antiga Rua da Ladeira, cortada pela via férrea do Sado, fosse, doravante, denominada Rua 23 de Agosto de 1914.

_Apontamentos históricos do Padre Jorge de Oliveira (1865/1957), pároco de Alvalade entre 1908 e 1936, para uma monografia que não chegou a publicar. 

 

2 Respostas a As inaugurações de 1914: Estação da CP, Telégrafo-postal e iluminação pública

  1. António Rainha   22 de Março de 2016 at 10:55

    Eu nasci na Praça D. Manuel, e não estando em Alvalade, ainda delá sou.

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  2. Maria do Carmo Candeias   23 de Agosto de 2016 at 10:27

    Um bocado da história de Alvalade-Sado muito importante e muito bem contada. Gostei muito. Obrigado Luis.

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