Quem percorresse esta região alentejana há 40 anos, encontrá-la-ia de “grenha hirsuta e barba intonsa”, nem o arvoredo nem o chão eram limpos, a não ser quando a conveniência ou a malvadez dos pastores lançavam fogo ao mato e tudo era destruído. As azinheiras e os sobreiros estavam afogados no matagal, geralmente composto de estevas, torga, urze, lentiscos e tojos que ascendiam a boa altura não podendo descortinar-se de fora o que lá se passava por dentro. As raras veredas que por lá se encontravam só eram conhecidas dos pastores e dos caçadores. Compreende-se que grenha e barba tão mal tratadas deveriam ter seus parasitas e não eram poucos: lobos, raposas, ginetes, gatos bravos, javalis, texugos, coelhos e lebres, libernos e também alados: bufos, milhafres, corujas, mochos, perdizes, pombos, rolas, noitibós, etc. Nas peladas ou clareiras, naturais ou artificiais, com boa exposição ao sul, em degraus largos ou socalcos, assentava a malhada das colmeias ou, como hoje se diz – o colmeal – composto de muitas dezenas ou algumas centenas de cortiços com abelhas que tinham pasto abundante e saboroso na floração da charneca. Eram vigiadas com frequência para lhes poupar os ataques dos inimigos alados e terrestres que perseguiam ora as abelhas, ora os cortiços. As colmeias tinham valor e cotação nos mercados e, em vários contratos, entravam como pagamento determinado número de colmeias. No arrendamento dos rendimentos das Comendas, os comendadores ou os rendeiros reservavam para si o produto das colmeias, ou determinado número de arrobas de cera e canadas de mel. Não é muito recuado o tempo em que o forasteiro, mesmo nos lares modestos, era recolhido e tratado com a urbanidade já hoje desconhecida e francamente típica alentejana. Era mandado sentar na conhecida tripeça de cortiça ornamentada (assento baixo), colocando-se-lhe por diante uma pequena mesa de pouca altura, com alva toalha e um prato com pão de trigo, outro com mel e ainda outro com queijo de cabra, porque na charneca só poderiam entram as cabras e eram elas que produziam saboroso leite, mas, em geral, mau queijo. Assim, obsequiado com a quinta essência das flores da terra, o forasteiro era obrigado a bendizer a boa, linda e simbólica franqueza alentejana, que lhe oferecia os seus primores. Era, nesse tempo, pouco densa a sua população e por isso menores as suas necessidades. Os montados engordavam-lhes os porcos, as várzeas davam-lhes o trigo de que careciam; a charneca dava-lhes o leite, o mel, a carne de belíssimos chibatos e caça abundantíssima, sobretudo coelhos e perdizes. Além das armadilhas ou ratoeiras, os coelhos eram apanhados à pedrada, a pau e poucos a tiro, por serem poucas as armas e essas mais reservadas para a caça dos alados. Era tanta a caça que fazia parte da quotidiana alimentação de todos e até era um bom ramo de indústria a que se dedicavam com proveito alguns caçadores que, diariamente, faziam seguir para os centros populosos grandes atados de caça. Ainda me lembro de que os estafetas postais que daqui seguiam diariamente para Santiago de Cacém e Aljustrel levavam sempre verdadeiros molhos de coelhos, perdizes, pombos ou rolas, conforme o tempo. A carne e o pão eram a alimentação predominante da população. O peixe raramente entrava em casa. Quando, em Sines, havia abundância de sardinhas, os sardinheiros apareciam com o seu macho e sonora guizeira, com duas canastras presas ao albardão, e todos ficavam sabendo que nesse dia, ao menos, podiam variar de alimento.
_Apontamentos históricos do Padre Jorge de Oliveira (1865/1957), pároco de Alvalade entre 1908 e 1936, para uma monografia que não chegou a publicar.
Outro magnifico texto do Padre Jorge de Oliveira. Achei curiosa a referência à venda do Peixe que vinha de Sines, um dos vendedores era o José Loução. Quando do ciclone de 1941, em Sociedade com o Antonio Gato, dedicou-se à compra e venda de Lenha das árvores caídas, arranjou dinheiro e foi para Sines, fez Sociedade com o Laranjinha para compra e venda de Peixe, enriqueceu, tornando-se num dos homens mais poderosos de Sines.Tinha Agentes para compra, além de Sines, em Portimão, Peniche e Sesimbra e carros de distruição pelo Alentejo até Evora e Beja. As camionetas passavam por aqui cerca da meia noite, eu e outros amigos gostamos de ver, vinham deixar Peixe ao vendedor José Duque, que era primo do Loução. Também era dono da Estação de Serviço que estava em frente do Cinema, em Sines. Após a sua morte, os filhos não se entenderam e a fortuna ruiu.
JRN
Muito interessante mais esta descrição do sr Padre Jorge….eram os matagais, era a caça, enfim é um recordar da terra e das terras incultas, das veredas que conduziam ao poço, à fonte ou ao monte mais próximo…..uma outra verdade…..é que….ainda hoje eu como pão com mel e queijo de cabra…..e que delicioso lanche…Um pratinho com mel, pão acabadinho de comprar e o branco queijo de cabra a tornar o doce com sal, uma “parceria ” pouco vulgar…, mas que é bom, ah isso é….São servidos?….foi uma optima ideia ter lido esta folha de diário…M.Dores Carvalho..
E foi mesmo como o sr José Nobre recordou….quantas vezes eu fui a casa do sr José Loução. Era uma vivenda já perto daquela zona, qnd se vai p a praia grande. A primeira vez porque estava lá a minha prima Felizbela e o primo Manuel Duque…depois qnd ia a Sines ia lá visitá-los. Há poucos fui visitar um dos filhos q estava doente e que se encontrava numa cadeira de rodas. O Manuel Duque faleceu há uns anos, mas a Felizbela ainda é viva. O ano passado fui visitá-la, no fim do Verão, a Sines.