Na várzea do Sado, entre este e a ribeira de Campilhas, mesmo nas imediações da vila de Alvalade, a mais recente carta militar, já desactualizada com a alteração no traçado ferroviário, assinala uma “estação experimental”, a que se acede a partir da vila por caminhos mal amanhados. Trata-se de um conjunto de instalações, como um grande monte rural, cuja parte central se abre para um pátio amplo, delimitado por casões, oficinas e armazéns. Uma placa descerrada vai para quarenta anos é dedicada a D. Manuel de Castello Branco, que foi o primeiro director do que ali se criara em 1937 – o Posto de Culturas Regadas de Alvalade. De então até hoje correu muita água Sado abaixo. Porém, naqueles anos Trinta acreditavam alguns sectores do antigo regime que a irrigação mesmo em zonas de latifúndio, proporcionaria copiosas colheitas, tão copiosas que os grandes proprietários, devidamente aconselhados pelo regime, reconhecendo que não lhes fazia falta tanta terra, aceitariam dividi-la, entregando parte dela a seareiros e mesmo ex-assalariados que se tornariam assim pequenos proprietários que numa base familiar, dispondo de água e aconselhamento técnico, poderiam vencer as crises cíclicas de fome e desemprego. E aí estava um Posto de Culturas Regadas, precisamente para proceder a esse estudo de rentabilidade económica propiciada pelo regadio, para difundir novas técnicas e prestar aconselhamento aos agrários e aos lavradores. O Plano de Obras de Hidráulica Agrícola é de 1938 e nele se reflecte já o trabalho destes impulsionadores do regadio como era, em Alvalade, Castello Branco e os seus colaboradores. Todavia o aproveitamento de Campilhas será plenamente consagrado apenas em 1943 e a construção do sistema de rega à volta da barragem só vai terminar em 1953. Seriam quase dois mil hectares previstos para luzerna e pomares, mas que o arroz acabaria primeiro por ocupar quase integralmente, a par de uma área modesta de milho, mas que viria a ser substituído por tomate depois, nos anos Sessenta. Só que a utopia reformadora desses sectores modernizantes e empreendedores do Estado Novo provocaria precisamente o contrário do que pretendia, ou seja, acabaria por levar ao reforço da grande propriedade e de uma agricultura capitalista. Neste curso de tempo, o Posto tornar-se-ia Estação de Culturas Regadas e já depois de Abril de 1974 seria integrado no Instituto Nacional de Investigação Agrária e depois na Estação Agronómica Nacional. A sua vocação para a investigação manteve-se até hoje, como se manteve a expectativa no regadio como factor central nas políticas de desenvolvimento agrícola. Por iniciativa e voluntarismo dos seus técnicos, a banda de topo da Estação foi ocupada com alfaias agrícolas – sachadoras, semeadoras, ganhadeiras e com a manutenção de todo o equipamento da antiga manteigaria – desde balanças a batedores, de decantadores a desnatadeiras. Do mesmo modo, num dos casões velhos mapas, fotografias e estudos técnicos oferecem outras memórias de um mesmo percurso de mais de meio século de actividade persistente em torno da água como motor do desenvolvimento agrícola. Está-se perante um proto-museu de sítio, que sem afectar o funcionamento normal da instituição que o acolhe bem poderia afeiçoar-se e integrar-se num percurso em torno de Alvalade e dos seus outros pólos de interesse patrimonial, parte de um plano mais vasto de valorização e desenvolvimento local.
_João Madeira
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