No ”Dicionário Geográfico de Portugal”, compilado pelo Padre Luis Cardoso a partir de um inquérito nacional efectuado em 1758, António Almada Pereira, pároco de Alvalade na época, elaborou um documento precioso actualmente conservado no Instituto dos Arquivos Nacionais Torre do Tombo, com a cota I.A.N.T.T. – Dicionário Geográfico de Portugal, vol.3, mem.31, fl.259-262.
Trata-se de um importante testemunho que nos dá a conhecer informações de grande interesse sobre Alvalade, três anos após o grande terramoto de 1755. No relatório, o pároco começa por referir que Alvalade se situa na província do Alentejo, pertence ao Bispado de Évora e à Comarca do Campo de Ourique, tendo o concelho 690 habitantes. Destes, 26 vizinhos residiam na Aldeia das Ermidas e 8 na Aldeia dos Barros (?), ambas pertencentes à freguesia do Roxo.
Informa ainda que da vila ”(…) se descobre o Castello da Villa de Messejana que dista duas legoas”.
No respeitante às informações sobre a paróquia, o sacerdote refere que “(…) o Orago da Paroquia é Nossa Senhora da Conceição da Oliveira. Tem seis altares. O de Nossa Senhora da Conceição. O de Nossa Senhora do Rosário. O das Almas. O de Santo António. O de Evangelista São Marcos. Não tem nave alguma. Tem três irmandades. A do Santíssimo Sacramento, Almas e Rosário “.
No tocante à sua situação pessoal, enquanto sacerdote, esclarece que é freire conventual da Ordem de Santiago da Espada, nomeado pelo Rei e confirmado pela Mesa da Consciência e Ordens. Para seu sustento relata que recebe anualmente 25 mil réis, 180 alqueires de trigo e 120 de cevada. A paróquia tinha ainda dois beneficiados, igualmente freires da ordem santiaguista, cada qual com o rendimento anual de 10 mil réis em dinheiro, 120 alqueires de trigo e 90 de cevada.
Na continuação das respostas pedidas pelo inquérito, o Padre António Almada Pereira esclarece que a vila não tem conventos, não tem hospital “(…) e só uma casa que se hospedão os pobres administrada pella providência da Misericórdia. Tem casa da Misericórdia e se ignora a sua origem por mais diligência que se fez. Rende uns ou outros annos sincoenta mil réis”. Um rendimento modesto, gerido pela confraria do Espírito Santo que partilhava a administração da Santa Casa, mas mesmo assim importante na medida em que permitia “(…) socorrer a pobreza com o mais necessário”.
No item respeitante aos templos do concelho, menciona a existência da capela do Espírito Santo e a igreja da Misericórdia na Praça D. Manuel I, ambas administradas “(…) pello provedor e irmãos da Misericórdia”. No termo da vila mais três capelinhas: a de S. Pedro “(…) já há muitos annos demolida. Outra a de S. Sebastião totalmente arruinada no dia do terramoto. Outra de S. Roque na distância de uma legoa. Não acodem a ellas romagens porque os santos das ermidas junto a esta villa se achão na matriz da mesma”. O pároco não conseguiu apurar se S. Sebastião e S. Pedro tiveram festa própria em tempos atrasados, confirmando apenas que “(…) só sim em dia de S. Roque, dezasseis de Agosto se faz festividade na sua ermida com afluência de muita gente”.
Quanto à produção agrícola do concelho, refere que “(…) os frutos que os moradores da terra recolhem em maior abundância são trigo, centeyo, pouca cevada, milho e feijão”.
Na administração do concelho e da justiça ”(…) tem juízes ordinários e mais oficiais da câmara e vê confirmada a justissa pello Ouvidor da Comarca de Ourique”.
Na população local informa que ”(…) não consta que florescessem nem della habitem homes insignes em virtudes, letras ou armas”.
Contrariamente a outras povoações, Alvalade ”(…) não tem feira e só em vinte e cinco de Abril há um breve mercado que dura meyo dia. Não tem correio e só se serve do estafeta da villa de Messejana, que dysta desta villa duas légoas. A distancia desta villa à cidade de Évora capital do arcebispado, quatorze legoas, e da cidade de Lysboa capital do reyno, dezanove. Não tem privilegios nem antiguidades e mais cousas dignas de memoria”.
Acerca dos estragos provocados pelo grande terramoto de 1755, o sacerdote informa que ”(…) a terra em si padeceo de ruína no terramoto, principalmente as igrejas de que as ermidas se cairão demolidas e só a igreja matriz foi reparada a requerimento do pároco na Mesa da Consciência e Ordens aonde pertence. A (igreja da) Misericórdia e (a ermida do) Espírito Santo pello provedor da mesma. Não há nesta terra serra, porem a terra xarneca de coelhos he muito abundante e de algumas perdizes, e lebres, e raposas, e lobos. Nos interrogatórios ao Rio desta terra não há Rio e só sim há três ribeiras, uma chamada de S. Romão e nella há alguns moinhos (azenhas) outra do Roxo também com moinhos, outra de Campilhas e nesta há uma ponte de cantaria, e todas correm do Sul ao Norte em todo o ano se conserva agoa em abundância”, ribeiras onde os moradores pescavam pardelhas, bogas e barbos, especialmente no Inverno.
“Como pasão junto a esta villa se alegrão as suas margens de algum arvoredo sylvestre tendo junto algumas boas terras de lavoura de trigo da parte do Nascente, Norte e Poente e algumas hortas com bastante agoa, e nas mesmas margens aptidão para fabrica de milho, feijão, e da parte do Sul terras em que se achão olivais, vinhas e mais terra inútil por ser agreste pella parte do Sul”.
Estranhamente, o sacerdote não faz qualquer referência à igreja de Santa Maria do Roxo nem à ermida de S. José, em Gaspeia. Se em relação à última podemos admitir a possibilidade de à época o pequeno templo ainda não ter sido levantado, já em relação a Nossa Senhora do Roxo não compreendemos a omissão.
A referência à Aldeia de Barros, que o sacerdote coloca na freguesia do Roxo e no concelho de Alvalade, é errada uma vez que a Azinheira dos Barros pertence ao concelho de Grândola desde 1544.
Por fim, o pároco António Almada Pereira menciona ainda a existência de azenhas (moinhos de água), nas ribeiras de S. Romão e do Roxo, cujos engenhos seriam gradualmente abandonados e substituídos pelos moinhos de vento, surgidos nesta região ainda durante o século XVIII.
_LPR
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