A carne e o pão eram a alimentação predominante da população. O peixe raramente entrava em casa. Quando, em Sines, havia abundância de sardinhas, os sardinheiros apareciam com o seu macho e sonora guizeira, com duas canastras presas ao albardão, e todos ficavam sabendo que nesse dia, ao menos, podiam variar de alimento. Havia há uns bons 25 anos um sardinheiro de apelido “Barradas” que tinha o monopólio da condução da sardinha para Alvalade. Ao entrar na Vila pela Rua de Lisboa, ali soltava o primeiro pregão: “Eh sardinha fresca”. Todos à uma diziam: “(…) aí está o Barradas”. E as mulheres acudiam sempre com os pratos ou travessas para receberem as sardinhas que ele contava sempre a cinco. O macho estava tão adestrado que ia caminhando, sempre devagar, e somente parava às portas onde via o ramo pendurado, pois já sabia que aí o seu dono tinha longa pausa…
Após duas ou três pausas, variava o pregão; já não era “sardinha fresca…” mas “Libras e libras! Viva a Carta Constitucional e Viva Dom Carlos que é Rei de Portugal” e, ao cabo de tanto vivório, o bom do Barradas adormecia ao sol, coberto de moscas, com o macho ao lado, até que, na madrugada seguinte, voltava para Sines. O peixe grado ainda não tinha entrado nos hábitos da culinária de Alvalade. Até o fiel amigo, só aparecia raramente e como hóspede. E, no entretanto, nas tradições da população marginal das ribeiras, estão uma ou duas pescarias anuais. As ribeiras são, geralmente, muito piscosas. No Verão, o curso de água suspende-se e reduz-se aos pegos, onde o peixe se recolhe e reproduz. Depois das primeiras águas e ligada e estabelecida a corrente, combina-se a pescaria feita com redes, tresmalhos e outras artes de pesca. Apanhavam-se muitas dezenas de quilos de barbos, robalos e pardelhas que eram distribuídos pelos improvisados pescadores. Em local aprazado era feita grande caldeirada e todos abancavam acompanhados do odre ou borrachas cheias do falerno local e, no regresso, voltavam sempre “pesados”. Outros também aqui se dedicavam à pesca dos cágados de que faziam excelente sopa. Havia também no Sado, entre os Coitos e o Porto Ferreira, moluscos de água doce, de concha muito parecida com a do mexilhão, mas nunca pude ver os moluscos.
_Apontamentos históricos do Padre Jorge de Oliveira (1865/1957), pároco de Alvalade entre 1908 e 1936, para uma monografia que não chegou a publicar.
Belo texto da antiga Alvalade. No meu tempo, o “sardinheiro” era o Antonio Inácio, pai do Zé Inácio e da Dorilia, mas o sistema de vendas era o mesmo. Na minha casa, como a minha Mãe era de Sines e conhecia bem de peixe, só o comiamos em Sines, ou se m/Pai ia a Santiago, em serviço, trazia-o do mercado.
JRN
Fiquei atónito, com a reprodução do texto da autoria de Padre Jorge de Oliveira, a que o Dr Luis Ramos tem acesso. Nunca tinha visto nada referente ao assunto. Sei que, meu avô materno-José Roberto, se dedicava ao comércio de peixe e que o fazia transportando o mesmo por cavalos que percorriam a distância a partir de Sines. Mas isso talvez mais recentemente. De resto lembro-me das visitas regulares feitas ao “monte” onde nasci e vivi a minha infância, pelo sr José Grilo. Nesses dias o “rancho” era melhorado. Peixe vindo do mar. Mas também recordo as pescarias no Sado, ali chamado de ribeira de S. Romão. Lançava-se o “tresmalho” à noite e de manhã recolhia-se o peixe. Depois, mesmo na margem da ribeira era confecionada a caldeirada. De comer e chorar por mais.
Obrigado Luis Pedro por me ajudar a recordar estes episódios.
As vossas informações e contributos, assim como de outros leitores, são sempre importantes e valorizam os artigos e a nossa memória colectiva.
_LPR
Minhas recordações:
Na minha rua morava uma familia (salvo erro o apelido era Gertrudes) em que o marido ia todas as noites de madrugada para Sines de mota comprar peixe que depois a esposa vendia naquele barracão onde é agora o jardim em frente da serração do Sr.Anibal Marques (era apelidado de praça!!! pois vendia-se aí outros produtos ) que depois mudou para um largo relativamente perto da escola.