O Casamento

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4 Comentários

Os preparativos para o casamento começavam com o pedido da noiva a seus pais. Para este acto de circunstância, o noivo era acompanhado de pessoa idónea, geralmente o padrinho de baptismo que, quase sempre, também o era do casamento. Dirigiam-se os dois, envergando trajo decente, a casa da noiva, sendo o padrinho que se incumbia de fazer o pedido aos pais, que, na maioria dos casos, já estavam prevenidos. A noiva não estava presente, em corpo, mas por via de regra, não podendo resistir à curiosidade, ouvia tudo, na casa contígua, de onde fugia lestamente quando o pai ou a mãe, ou ambos, a vinham consultar. Eram curiosas as perguntas dos pais e o manto de seda que a noiva compunha, com os seus ares pudibundos. Tudo acabava num sim redondo, que o noivo recebia num hausto profundo de alívio. Apareciam os bolos e a garrafa do Porto, do espumoso ou licoroso, que serviam de pretexto para as saúdes. Combinando o dia provável do casamento, o noivo ia tratar de toda a documentação, casa, mobília, enfim, de tudo o indispensável para o novo lar. Chegado o grande dia, estava de antemão preparado o banquete que consistia em lauto almoço e jantar, e tratando-se de gente abonada, ainda havia lauta mesa, no dia seguinte. O casamento realizava-se entre o almoço e o jantar, cerca das 3 horas da tarde. O noivo, os dois padrinhos e os convidados que eram, sempre numerosos, iam buscar a madrinha, que oferecia o seu convite; depois, dirigiam-se a casa da noiva, que já estava pronta, isto é, vestida com o traje usual – vestido, sapatos, luvas e véu, tudo branco, com a competente grinalda de flor de laranjeira. Organizava-se então o cortejo: à frente, a noiva e a madrinha, mais atrás, o noivo, entre os dois padrinhos, seguidos dos convidados, tudo isto enquadrado dentro de uma espessa mole de garotos malcriadíssimos e de mulheres e homens atraídos pela curiosidade e munidos sempre da chalaça cáustica que manobram como pedra em funda… No regresso do Registo Civil e da igreja, onde os padrinhos fornecem aos garotos pequenos e grandes, farta dose de confeitos e amêndoas, sujos que quantas porcarias o chão contém, o cortejo, reorganizado, noiva ao lado do noivo, seguidos dos padrinhos e convidados, voltam à casa da banquete, acompanhados de assobios simples e quadrados, gritos com as conhecidas, e chufas impertinentes. Chegado a casa, os noivos colocam-se num dos topos, e diante deles desfilam todos os que os querem cumprimentar. Segue-se novo beberete, e conversa-se até à hora do jantar. A noiva tira o véu e, e se tem, muda de vestido. Chegada a hora do jantar, abancam todos em várias mesas, e se são numerosos os convidados, que não cabem, aguardam a segunda mesa.

Na mesa principal – a dos noivos – estão estes, ao lado um do outro, acompanhados dos padrinhos e das pessoas de mais respeito. A gente nova foge sempre daquela mesa, porque não está à vontade. Para o banquete, matam-se 3 ou 4 carneiros ou ovelhas, outros tantos perús, e algumas dúzias de galinhas, além de caça – coelhos, lebres ou perdizes – que possa haver. Um prato de importância, que se não dispensa, logo à entrada, é o jantar ou sopa de carne, em que são empregados os maiores e melhores repolhos que se encontram. Após o cozido, vem o guisado, a cabidela, o arroz e o assado. Tudo isto é regado de vinho abundante. Quando há frutos, entram estes na sobremesa, com os bolos variados, que constituem a frasca, preparada dias antes: pão leve, bolo podre, suspiros, popias caiadas, bolos folhados, etc. Quando em todos os espíritos começa a sentir algum espírito, vêm os brindes, as saúdes que, quando são em prosa, nada tem de saliente, são prosaicas, o que já não acontece quando na assembleia estão poetas, porque então, as saúdes são em verso, não registado nas poéticas, mas uma espécie de pé quebrado mais ou menos rimado, mas que serve de pretexto a grandes gargalhadas e a troco que vem de outra parte, também em verso parecido.

Acabado o jantar, arredada a mesa e os móveis que estorvem, organiza-se o baile, ao som de harmónica ou da gaita-de-beiços, como aqui lhe chamam. Para entremear, há os cantos populares, em que todos entram, e assim passam a noite até ao dia seguinte, em que todos recolhem a suas casas, se na despensa não ficou reforço para o almoço… Se os noivos são pobres, os padrinhos e os convidados contribuem em géneros e dinheiro para o banquete, mas sucede frequentemente que fiquem com um grave déficit no seu orçamento caseiro.

_ Apontamentos históricos do Padre Jorge de Oliveira (1865/1957), pároco de Alvalade entre 1908 e 1936, para uma monografia que não chegou a publicar.

4 Respostas a O Casamento

  1. Maria Dores Carvalho Amado   21 de Dezembro de 2013 at 14:01

    E foi assim um casamento a 20 de Dezembro de 1942….. E outro a 4 de Abril de 1940…. Deste último sei tb q a menina de sete anos que levou as alianças foi a mesma que com 57, numa cerimónia semelhante, nas bodas de ouro, esteve presente com as novas alianças, nessa bonita festa e depois grande banquete. Já os três últimos faleceram. Estive nesta festa dos 50 anos de casamento.

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  2. Matilde Oliveira   11 de Janeiro de 2014 at 0:45

    Outros tempos que jamais voltam mas isto é de uma riqueza absolutamente deliciosa para sabermos o que foram os tempos dos nossos avós.

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  3. Rosa Mendes   19 de Junho de 2014 at 0:31

    O artigo está com uma descrição muito perfeita mas, peço desculpa, a foto que o ilustra não se coaduna com essa descrição. Esta foto foi tirada quando foi inaugurada a energia eléctrica em Alvalade, era miúda mas lembro-me muito bem. Volto a pedir desculpa, mas ao ler o artigo verifiquei que já tinha visto a foto na situação que mencionei, até porque nela estão duas pessoas da minha família, o meu pai e a minha madrinha. Obrigada.

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    • admin   19 de Junho de 2014 at 9:18

      Registamos e agradecemos o reparo. O objectivo foi apenas ilustrar o artigo com uma foto de época, onde seguramente podemos associar os rituais e costumes dos casamentos que o texto descreve com muitas das mulheres alvaladenses presentes na fotografia.
      _LPR

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