O denso silvado que actualmente envolve e ocupa o monte do Contador, esconde uma das marcas culturais mais importantes da paisagem alvaladense no vale de Campilhas…
Criado e construído pela Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola (JAOHA), algures na primeira metade do século passado, o Contador S8, assim designado, e os funcionários que o serviam e habitavam tinham a função de medir os caudais e as cheias da ribeira e vale de Campilhas ao longo de todo o ano. Informação importante para a gestão das necessidades e das grandes obras hidráulicas agrícolas da região no século 20, na tutela da então JAOHA, entre barragens, estações elevatórias e outras. Para isso, o Contador S8 dispunha de 4 escalas numéricas de medição: as duas primeiras foram instaladas dentro do leito da ribeira de Campilhas, defronte do monte, uma delas com 3 metros, destinada aos grandes caudais, enquanto a mais pequena com um metro de altura, colocada ao centro do leito, media os volumes de água durante o Verão, altura em que eram menos significativos. A terceira escala situava-se no terreno entre a ribeira e o monte e media o nível das cheias intermédias. A quarta escala, adossada no muro que rodeava o imóvel e a única qua ainda subsiste, permitia a leitura das cheias com volumes excepcionais. As medições eram efectuadas 3 vezes por dia. Na época das cheias e quando a água transbordava para as margens da ribeira, as leituras eram feitas hora a hora, incluindo durante a noite. Todas as medições eram posteriormente registadas em impresso próprio sendo depois remetidas mensalmente, através dos correios, para a JAOHA. De 1945 a 1960, foi este o trabalho diário de José Manuel Agostinho e Maria Júlia Alves, que habitavam o monte conjuntamente com as suas duas filhas, Preciosa Sacramento Alves Agostinho e Júlia Sacramento Alves.
O monte era constituído por 3 divisões, concretamente uma cozinha, onde existia uma pequena lareira, e dois quartos. Todas as divisões estavam providas de janelas. Um muro de alvenaria com cerca de um metro de altura rodeava totalmente o pequeno imóvel servindo de barreira contra as grandes cheias. Não terão sido poucas as vezes que o Contador ficou isolado, como uma pequena ilha, no extenso vale de Campilhas… Um logradouro com várias árvores de fruto como figueiras, pessegueiros, ameixeiras e uma oliveira, mas igualmente muitas flores entre roseiras, açucenas, malmequeres e outras, completava a composição arquitectónica e paisagística do Contador S8.
Era na herdade da Ameira que a família residente no Contador ia, a pé, com vasilhas de barro, recolher a água para beber e confecionar as refeições. Quando as cheias não permitiam a transposição da ribeira, o trajecto era feito através da linha férrea. Para as restantes necessidades e lavagem de roupas, usavam-se as águas da ribeira ou o tanque da Ameira. Desses tempos, ficaram as memórias das descendentes de José Manuel Agostinho e Maria Júlia Alves… As noites por dormir e os sustos nas grandes cheias, mas também os momentos de alegria, de convívio e confraternização no monte onde por vezes se organizavam passeios e piqueniques com amigos residentes na vila. Ainda hoje, as gerações mais velhas recordam os passeios ao Contador…
Entre a ponte romana e a ponte de ferro, o Contador S8, que em tempos não muito distantes foi também um dos espaços mais aprazíveis da periferia da vila, sobretudo na Primavera e no Verão, está hoje no mais puro abandono e decadência… É património que Alvalade não tem sabido preservar e revalorizar. Pelo que representa no processo histórico da freguesia justifica, plenamente, um projecto de salvaguarda e a sua classificação como imóvel de interesse municipal.
Agradecimento: à D.ª Preciosa S. A. Agostinho e à D.ª Júlia S. Alves pelas informações cedidas para este artigo.
_LPR
Muito interessante! Todos ouvimos falar do Contador mas, acredito, poucos sabemos o que era na realidade.
Importante este recuperar da história de Alvalade, enquanto ainda vivem as pessoas que a sabem contar.
Não conhecia o Contador mas fiquei impressionada por esta bela estória de Alvalade Sado.
Vivi lá com a minha família, os primeiros 13 anos da minha vida.
E as andorinhas, nos beirais dos telhados, eram as nossas únicas vizinhas, como se fossem da família, cuidávamos delas, voltando a colocar nos ninhos os filhotes, quando caíam. Zelávamos pelos ninhos para que não fossem destruídos na sua ausência. Quando chegavam na primavera, era motivo de grande alegria.
Bonita descrição do “teu” monte do contador, amiga Preciosa….Quantos dias a tua ausência escolar se a “rebêra” subisse….!….Era um mar d’água envolvendo a casa….!….Estava tudo muito bonito no logradouro q a envolvia e hoje está ao abandono…..tlvz q as andorinhas continuem a visitá-la….
Antes da “rebera” ir “desvarjada”, já a minha mãe prevendo o “desvarjamento” da “rebera”, à cautela, me tinha mandado para a vila!
Excelente descrição do local onde se controlava o volume das águas do Rio Campilhas. Além das amigas Preciosa e Júlia, que lá residiram, recordo a Chica da Casinha, também amiga e colega de minha esposa na costura.
Também me lembro do responsável dos Serviços Hidráulicos, Snr. Cocharra, cujas filhas ainda hoje contactam pelo telefone com minha esposa, uma reside em Peniche e outra em Alcácer do Sal. Os filhos Raul e Fernando já faleceram.
JRN
Sempre vi do quintal de minha casa o contador no meio da várzea e apesar de ser um pouco mais nova que a Júlinha(desculpe este meu atrevimento), lembro-me perfeitamente dela. Da “Chica da Casinha, como era conhecida, amiga de minha madrinha (Maria Rosa Carracinha), também me lembro de a ver, se não estou enganada, morava na rua do Serradinho, actualmente a rua deve ter outro nome, mas é como se chamava há 46 anos atrás.
Amiga Preciosa……não sendo o Alvalade.info para escrever “cartas” às amigas, felicito-te pelo “desvarjamento” da nossa “rebêra”…..a da Campilhas ou a do Sado. Sabes que me recordo das pessoas mais antigas, ou em temps mais idos, dizerem….. A rebêra vai desvarjada……o termo várzea, era aqui usado no seu sinónimo….vargem ou ainda várgea o que muito simplesmente seria “varja”. Então, quando assim acontecia era pq o leito da ribeira cobria toda a várzea. Talvez …desmarjada…tbm ñ fosse muito incorreto….saía a água das margens… Olha o que descobrimos deste alentejanês….
Graças ao Alvalade.Info, continuo a aprender mais sobre Alvalade.
Sempre ouvi falar do Contador. Mas…sabia pouco!
Graças a Ângela Atayde, à Matilde Oliveira, à Preciosa Sacramento, à Maria Dores Amado (carinhosamente Dorinhas), Ao grande Mestre que foi e continua a ser José Raposo Nobre, à Rosa Freire eu hoje aprendi mais sobre a minha querida Alvalade. Obrigado Amigas e Amigos.
É gratificante para todos recordar como era Alvalade há pelo menos estes cinquenta anos. Recordo bem Maria Rosa Carracinha que era modista. Fazia, principalmente, calças de homem. Morava de facto na rua do Serradinho. Também recordo Chica da casinha e o sr Cocharra. Perto da rua do Serradinho, na antiga rua da areia, havia um forno de poia, onde Mariana Camōes recebia os tabuleiros de pão acabado de tender e bem tapado por um alvo panal, para colocar no seu forno já quente, varrido e pronto a receber o pão nosso de cada dia… Tratava-se de tudo em casa e lá no forno era ela que sabia dar-lhe mais uma voltinha com a pá de madeira e tirá-lo quando estava cozido. À hora marcada lá se ia buscar o nosso tabuleiro de fresco pão. “o pão quanto mais quente, mais fresco é.”
Amigo Luís Silva, guarde também esta do forno de poia, pois lá nos montes, cada um tinha o seu….este era o colectivo na nossa urbe. É certo que havia a padaria de fabrico próprio na rua Duque da Terceira, mas neste processo era “pão caseiro”. Também recordo o preço do pão na padaria. Um pão grande de cabeça custava 3.30, três escudos e trinta centavos, uma carcaça grande 1.60, dezasseis tostōes e a carcaça pequena quarenta centavos e uma fada (um pãozinho de leite, redondo com um pouco de côco e acúcar no cimo ) custava cinquenta centavos. Estes valores foram assim durante muito tempo….
Ah….e já agora…..o forno era varrido sim….era varrido com uma espécie de esfregona, feita com resto de trapos, fitas de farrapos bem atadas num pau comprido que se molhava num alguidar de barro cheio de água para apagar alguma brasa que logo começava a fazer fumegar essa vassoura que deixava o solo do forno limpinho das cinzas que a lenha que acabara de arder formava sobre os tijolos que cobriam o solo. O forno era aquecido com lenha que, ardendo lá dentro com a porta do forno fechada, o aquecia.
Lembro-me bem de no Monte a minha avó e a m tia Bertília tratarem assim do forno e fazerem pão com linguiça dentro e também fazermos uma boa tiborna mesmo em cima do poial no alpendre do forno. Quando estava lá de férias o meu tio Zé Carvalho ia logo buscar uma travessa com azeite e o açúcareiro com açúcar amarelo para comermos a ecaldante tiborna….quando se tirava o pão e o forno já não estava tão quente, colocavam-se os tabuleiros dos bolos, feitos com o resto da massa do pão que ficava no alguidar, propositadamente, para ser amassada com um pouco de banha de porco, ovos batidos, canela, aguardente ou vinho abafado de Conqueiros. Ficava assim, esta massa, a levedar enquanto o o pão ia cozendo lentamente no forno. Depois, nuns tabuleiros de aluminio ou de lata, já pretos do uso e bem untados de banha e polvilhados de farinha de trigo eram colocados esses bolinhos moldados com as duas mãos, e postos um a um até encher os tabuleiros..e muito redondodinhos ou em forma de “popias” (pepias)…….agora só há “donuts”…