Foi no ano de 1833. Estamos em 18 de Julho. Tinham soado, havia pouco, na torre da igreja, as doze badaladas do meio-dia.
Um sol ardente incidia sobre as várzeas e os montados; o ar tremia nas paredes e telhados do casario, o aroma resinoso, acre, das estevas estimulava, ligeiramente, pituitária, e apenas os freixos verdes do Sado e da Ribeira de Campilhas, davam ao quadro um esbatido tom de frescura.
Era a hora da folga. Não se via vivalma. Os almocreves da recova, chegados na véspera, vindos do Sul, e que aqui pernoitaram, tinham saído, de madrugada, antes do romper do sol, a caminho dos Coitos, para não serem detidos, segundo diziam por numerosas forças armadas, que vinham em som de guerra e não deveriam tardar, em direcção à capital, comandadas pelo Conde de Vila Flor. O juramento de fidelidade, prestado pela vereação ao senhor D. Miguel, em 9 de Outubro de 1831, tornava esta vila suspeita.
O que fariam, aqui, as tropas, na sua passagem? Qual o procedimento do intrépido Conde, que vinha à sua frente? Estas interrogações soavam sinistras, temerosas, ao ouvido de todos. Era a hora da folga, mas ninguém folgava… A sombra do estilete, no solarium da Matriz, marcava duas horas. Quase a seguir, soava o sino a vésperas, mas não concluiu, porque o sineiro notando, no ar, grossos rolos de poeira, lá para as bandas do levante, desceu, precipitadamente, as escadas da torre, espavorido, lívido e áfono. E a quem o interrogava, respondia, simplesmente enfiando o indicador para os lados do nascente: Era o exército que se aproximava e que, pouco depois, atravessando o Sado – então um delgado filete de água – subia pelos lados da Amoreira, fazendo alto nos olivais da Carrasca e S. Sebastião. A infantaria tomou de assalto a Fonte Branca (atual Fonte da Bica, que na altura estaria na encosta onde esteve a antiga linha férrea), a poça da Amoreira (que daria origem à atual Fonte da Estação), e os Poços de Nossa Senhora e da Horta do Pego Verde, e os cavalos foram dessedentar-se nos pegos do Sado e de Campilhas. O calor era asfixiante. Passada meia hora, pela Rua das Areias, entrava em Alvalade, um esquadrão de cavalaria e uma força de caçadores, destacados do grosso do exercito, levando à sua frente, o valente Conde Vila Flor, com o seu estado-maior, caminhando, todos, ao som dos clarins. E as mães que o som terrível escutaram, ao peito os filhos apertaram.
O que iria suceder? Que drama iria desenrolar-se, antes os olhos atemorizados da povoação? Chegados à Praça, postaram-se em frente dos Paços do Concelho, apeando-se o Conde e alguns oficiais, subindo ao primeiro andar. Vibrou, nervosamente, o sino da Câmara, para reunir a vereação. Não se fizeram esperar os edis e as autoridades locais. Quais os argumentos jurídicos e que dialéctica empregou o Conde para convencer os circunstantes a aclamar a Senhora D. Maria II, não sabemos. Um argumento forte e de peso estava à vista: era a espada gloriosa que cingia, e, defronte os infantes, apoiados pela cavalaria. O som do comando das suas palavras, o aspecto bélico das tropas convenceram, rapidamente, a Vereação, e o seu presidente não tardou a assomar-se a uma das janelas clamando: “Viva a Senhora D. Maria II”. Os oficiais desembainharam as espadas, os cavaleiros e a infantaria apresentaram armas, e, pela Praça, reboou um grito clamoroso: “Viva a Senhora D. Maria II”. Pouco depois, rebentou a maré, a brisa do Oceano veio refrescar o ambiente. Soou de novo, o clarim, e toda esta enorme massa humana retirou, pela Rua de Lisboa, a caminho da Capital…
Foi para comemorar este facto histórico a que se refere o Auto da Vereação de 30 de Agosto de 1833, e em homenagem ao 7º Conde de Vila Flor e 1º Duque da Terceira, D. António José de Sousa Manuel e Meneses Severim de Noronha, que a Junta de Freguesia de Alvalade, em sessão de 1 de Março de 1925, propôs e o Senado Municipal de Santiago do Cacém, por unanimidade aprovou que a Rua das Areias, doravante, se denominasse Rua Duque da Terceira.
_Apontamentos históricos do Padre Jorge de Oliveira (1865/1957), pároco de Alvalade entre 1908 e 1936, para uma monografia que não chegou a publicar.
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