A morte é, quase sempre, o ponto final da doença mais ou menos prolongada, e que fatalmente, causa grande abalo na família e nas pessoas amigas do falecido. O morto, depois de piedosamente lhe cerrarem os olhos, é lavado e vestido com o seu melhor fato e deitado sobre o leito. A família, na falta de velas de cera, acende luzes de azeite, e os vizinhos trazem cada um, um candeeiro cheio de azeite que colocam à cabeceira do finado que velam até à hora do funeral. Toda a água que houver em casa é despejada e até à saída do cadáver, não se toca nos alimentos. A água despeja-se para evitar que alguém a beba, e possivelmente, com ela, o espírito, a alma do defunto que poderá ter-se recolhido na água. Enquanto o cadáver está em casa alguém da família faz o pranto, que consiste numa conversa lamentosa com o falecido, recordando factos e coisas passadas e muitas vezes ignoradas o que constitui o pratinho para a coscuvilhice feminina que nada perde, e mais tarde comenta devidamente salgado e apimentado. São geralmente as mulheres mais afectivas que se servem do pranto para desafogarem a sua mágoa. Há expressões curiosas, aqui observadas e recolhidas: Faleceu uma criança atacada de sarampo e já estava vestida e colocada no pequeno caixão, na casa de fora. Subitamente, a mãe levanta-se, e vem junto da criança: “Minha filhinha! Meu amor”. De repente, enraivecida: “Ah sarampo dum cabrão, sarampo filho da puta, sarampo dum corno”. Todos ouvem, em silêncio, mas os comentários são feitos no dia seguinte, no lavadouro (da Bica).
Outro pranto: “Ah minha filhinha, assim me deixas! Nunca mais te torno a ver. Tão bonita que tu vais! Levas o vestido que a tua madrinha te deu; mas se te o não desse, não ias sem ele, porque tenho aqui dinheiro para isso… Os sapatinhos, deu-tos a tua tia, mas se te os não desse comprava-tos eu…”.
Compreende-se por isto, quão cobiçadas são as sessões de pranto pelos amadores de bisbilhotice.
À retirada e saída do cadáver vem o choro, os lamentos, as crises nervosas, enfim todo o cortejo triste e lancinante próprio daquele momento em que acaba toda a esperança… O melhor fato do falecido é, depois, dado a um pobre. Os parentes mais chegados do falecido, ainda que esteja calor de rachar, cobrem-se de indumentária pesada – o capote, ou, na sua falta, uma manta, e assim vestidos e carregados é que vão dar as voltas e cuidar dos serviços inerentes ao funeral. A viúva, mãe ou filhas do falecido, cobrem-se pela cabeça com os seus xailes e durante os primeiros 8 dias após o óbito não os abandonam.
_Apontamentos históricos do Padre Jorge de Oliveira (1865-1957), pároco de Alvalade entre 1908 e 1936, para uma monografia que não chegou a publicar.
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