Em 1908, o Padre Jorge de Oliveira assumiu os destinos da paróquia de Alvalade, que lhe esteve confiada durante 28 anos. Os seus primeiros tempos na administração da paróquia, são relatados pelo próprio, nos apontamentos que nos deixou:
“Ao entrar nesta igreja (igreja matriz de Alvalade), em 13 de Março de 1908, para a cerimónia de posse da mesma, confesso que recebi desagradável impressão ao contemplar as injúrias dos homens e do tempo, e resolvi remediar o que me fosse possível. Nesse mesmo ano, reparei as portas, muito esburacadas, por onde entravam gatos, galinhas e cães. Em 1909, comprei em Braga um sino, dando em troca um que estava partido, abrindo uma subscrição para a restante despesa. Em 1910 fiz-me acompanhar de um pedreiro hábil, inteiramente obediente às minhas ordens, e meti ombros à reposição do arco cruzeiro, à sua forma primitiva dentro das minhas possibilidades, pois que a Junta da Paróquia não tinha recursos e dos proprietários nada podia esperar, pois que todos estavam ausentes. O Altar das Almas, próximo do cruzeiro, do lado direito, estava podre; a mesa era em taipa salitrosa, que se esboroava. Só se aproveitava o painel de pintura tosca, que valia menos que a moldura. Aproveitei o quadro que mandei colocar na parede lateral da igreja, do lado direito. Limpou-se o vão e fizeram-se as reparações precisas, colocando-se nele o altar completo de Nossa Senhora da Conceição, depois de se verificar que ajustava perfeitamente. Procedeu-se a minuciosa inspecção ao altar de S. Marcos, ao fundo da igreja, do lado esquerdo, verificando-se que a mesa, igualmente de terra, já apodrecida com a humidade, e que todos os inestéticos ornatos estavam cheios de caruncho e desconjuntados. Apeou-se tudo, reparou-se o vão e nele foi colocado o altar de Nossa Senhora do Rosário. Foi então que se observou em toda a sua nudez, o vandalismo feito. O capitel direito fora partido ao meio pelo terramoto e o esquerdo foi partido a picão, como observei nas mossas nele deixadas, para documentação futura. Pedi madeira emprestada e armou-se o andaime até ao fecho do arco que estava, todo ele, cheio de argamassa de cal. Tacteou-se tudo com pancadas de martelo para se ver aonde o arco estava desapertado. Com excessos de cuidado foi-se picando a caliça ali posta, pondo-se pouco a pouco a nu o arco primitivo, apertando-se tudo com lascas ou cunhas de pedra e de azinho. Desobstruído e limpo o arco até aos capitéis, foi rebocado e posto como era primitivamente. Chegado aos capitéis, hic opus laborest, foi preciso adivinhar nuns pequenos restos deixados, o desenho primitivo. Encheu-se com alvenaria todo o vão partido e eu próprio, com formão, goiva e martelo, gravei fundo, aproximadamente, o que lá devera ter estado. Terminado esse trabalho que me levou alguns dias, apesar de me não desviar dali um momento, repararam-se os fustes e os colunelos. As bases estavam intactas, apesar de completamente obstruídas com argamassa.
Os fustes das colunas eram torsos, como se verificou dos fragmentos encontrados, e os colunelos eram direitos. Concluído esse trabalho e retirado o andaime, mandei abrir a porta principal e senti, ao ver o trabalho feito, uma grande sensação de alívio.
Alguns momentos depois, fui procurado pelo falecido advogado em Santiago do Cacém, Dr. António Pereira de Carvalho, que, ao entrar, exclamou “mas a igreja tem estilo! Tinham-me dito que era incaracterística!”. Contei-lhe depois tudo o que fizera e foi o primeiro e único aperto de mão que recebi pelo meu arrojo. Tinha planeado apear a taipa que entaipou a Capela-Mor, aproveitando-a convenientemente, mas a idade e a falta de saúde, impuseram-me a aposentação e resignação da freguesia”.
As preocupações e o ministério sacerdotal do Padre Jorge não se esgotaram nas condições físicas da igreja matriz e do seu património. O projecto pastoral que desenvolveu ao longo dos 28 anos em que administrou a paróquia de Nª Srª da Conceição da Oliveira, incluiu também uma forte componente social e cultural, vivendo e partilhando os problemas da população e colocando-se sempre ao seu lado nos momentos mais adversos da vida da freguesia. Foi muitas vezes a voz inconformada do povo que servia, remando e lutando contra os obstáculos que impediam o normal desenvolvimento da terra que o adoptou, e, tornou-se, com toda a naturalidade, numa das mais importantes personalidades de Alvalade no século 20.
_Luís Pedro Ramos
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Paz à sua alma, essa mesma alma que lhe deu forças e vontade de se tornar num dos mais importantes Alvaladenses de residência e por dedicada adopção. Há pessoas que nascem para ficar imortais pela obra, pelo carinho, pela dedicação nos puros sentimentos, pela luta por Deus e pelos outros homens.
Muito bem Luis, por nos informar sobre esta data tão importante para Alvalade, assim como tem divulgado os belos escritos deixados pelo Padre Jorge de Oliveira, a mais importante personalidade de Alvalade no Sec.XX. Além do Padre Jorge,também se deve ao seu Alvalade.info muitas outras tradições, acontecimentos históricos e achados arqueológios na nossa freguesia, não esquecendo as efemérides mensais.
O seu trabalho é notável, mas nem sempre bem compreendido.
Pela importância da data vou escrever no m/Blog “Viver Alvalade” sobre o Padre Jorge que tive o gosto de conhecer nos últimos anos de sua vida exemplar.
JRN
Muito obrigado, Sr. Nobre.
_LPR
Amigo Luis, excelente trabalho. Continua….
Um abraço
Antº Saiote