A passagem de D. Miguel I por Alvalade

Início » Últimas » A passagem de D. Miguel I por Alvalade

2 Comentários

lancaparreiraNa Convenção de Évoramonte decide-se que D. Miguel deve deixar o país e prepara-se a sua partida para aquele que iria ser o seu último exílio. Escoltado por um Regimento de Lanceiros da rainha D. Maria II e vinte soldados fieis da cavalaria realista, o rei destronado parte de Évora no dia 30 de Maio de 1834, iniciando uma viagem que em território nacional iria terminar em Sines dois dias depois.

Pelo meio do percurso,  no dia 31, cerca da uma hora da tarde e debaixo de um calor abrasador, a comitiva aproxima-se da Herdadinha fazendo uma curta paragem no monte, para  D. Miguel  e alguns  acompanhantes refrescarem-se num poço aí existente. De acordo com um testemunho no local, um tal Manuel Joaquim, na altura com 12 anos de idade, a coluna, apesar de numerosa (cerca de 160 pessoas) e incluir muitas montadas, percorreu o caminho com tal ordem e disciplina que não provocou o mais pequeno estrago na pujante seara de trigo existente em ambos os lados da pequena estrada. Pouco tempo depois, D. Miguel e o seu séquito entram na vila e decidem pernoitar em Alvalade para descansar e retemperar forças para a derradeira etapa da viagem.

Com o ambiente adverso e de grande hostilidade que existia na época em boa parte do país contra o Infante e o regime político que representava, não é por acaso que D. Miguel e a sua comitiva escolhem Alvalade para interromper a viagem e passar a noite. A câmara, as principais instituições e as famílias mais abastadas eram assumidamente pela causa absolutista, e D. Miguel tinha disso conhecimento. Alvalade tornou-se, naquele momento, o local ideal para fazer a paragem e o descanso necessário, acabando por ficar hospedado na residência particular de Luís da Lança Parreira e de D. Teresa da Lança Parreira, uma abastada família alvaladense simpatizante da causa miguelista. Nessa casa, que já não existe (na imagem), situada na então Rua da Estalagem, D. Miguel ceou, dormiu a última noite em solo português e almoçou no dia seguinte, tendo sido tratado com a maior dignidade  – como se ainda reinasse -, pelos seus anfitriões e por toda a população, não só devido ao seu estatuto  mas também pelo respeito e estima que o povo tinha para com os donos da casa.

No dia seguinte, ao despedir-se dos Lança Parreira, que tão carinhosamente o acolheram, D. Miguel mostrou-se muito comovido. Permitiu que lhe beijassem a mão e, tirando uma carteira do bolso, tomou nota do nome dos donos da casa, bem como da vila de Alvalade de cujos habitantes recebeu, assim como toda a comitiva, as mais inequívocas provas de respeito. Precipitadamente, por esquecimento, talvez devido à pressa com que a partida foi feita, ficaram na casa em que se hospedou uma espada, que o guerrilheiro miguelista Remexido resgatou mais tarde por quatro homens da sua quadrilha, e uma faca de mesa com o cabo em prata, oitavado, tendo num dos lados a coroa real encimando as iniciais “R.F.”, que algum tempo depois passaria para a posse de Henrique Rodrigues Albino, de Messejana, casado com uma descendente directa do mencionado lavrador Luis da Lança Parreira. Pela tradição dizia-se que neste trajecto entre Évora a Sines, D. Miguel foi muito mal recebido na passagem por Ferreira do Alentejo tendo o povo colocado à porta das suas casas uma alcofa com palha e, que ele, perante esse modo de receber, terá dito que se um dia regressasse a Portugal destruiria a vila de Ferreira,  e que sendo tratado tão respeitosamente em Alvalade, se cá tornasse, faria desta uma cidade.

Para registar a passagem de D. Miguel por Alvalade, a Junta de Freguesia apresentou na câmara municipal de Santiago do Cacém uma proposta de substituição do topónimo “Rua da Estalagem” por  “Rua 31 de Maio de 1834“, que foi aprovada por unanimidade no dia 1 de Maio de 1925. Um topónimo tímido onde se preferiu destacar a data da estada em detrimento do nome da personalidade. O topónimo natural seria  “Rua D. Miguel I”, à semelhança da linha seguida dois meses antes aquando da criação do topónimo  “Rua Duque da Terceira”, mas a administração da freguesia, receando não se sabe bem o quê, optou pela data da pernoita do augusto visitante. Embora passado quase um século, as memórias e as marcas do pós Guerra Civil de 1832/34 ainda se faziam sentir…

_Luís Pedro Ramos

2 Respostas a A passagem de D. Miguel I por Alvalade

  1. Manuel F. Neves (Lito)   20 de Maio de 2014 at 16:40

    Ao ver esta imagem, veio-me à ideia a minha infância.
    Foi neste prédio, no r/c Esq. que viveu o prof. Manuel de Almeida Júnior com seus pais.
    Foi ainda aqui que existiu, antes da passagem para a frente da casa Bica, a “Casa do Povo” de Alvalade-sado.
    Foi também no r/c esq., residência do prof. Almeida e Casa do Povo que eu fiz o 1º ano do Ciclo Preparatório como aluno externo da Escola Industrial e Comercial de Setúbal, hoje Sebastião da Gama.
    Soube, então, e até por imagens que existiam no interior daquele edifício que por ali pernoitou o nosso rei D. Miguel.
    Hoje, nada desta passada existência faz parte da nossa terra.
    Felizmente que ainda existem pessoas que poderão deixar registos para memoria futura.
    Espero que essas não se percam.
    Quanto ao edifício, conheci-o relativamente bem, embora hoje retenha vagas memórias.

    Responder
  2. Maria De Nogueira   26 de Agosto de 2014 at 21:10

    Viva D. Miguel Primeiro.

    Responder

Deixe um comentário

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.